Delegado do Rio rebate especialista em segurança que afirmou ser possível render criminoso armado com uma pedra. Vídeo viraliza e expõe a distância entre teoria e realidade das favelas.
Uma internauta ironizou a fala de uma especialista em segurança pública que afirmou que “até com uma pedra é possível render um criminoso armado com um fuzil”. O comentário, que rapidamente viralizou nas redes, deixou claro o tamanho do absurdo da afirmação, provocando indignação em quem conhece minimamente a realidade das operações policiais nas comunidades do Rio.
“Bora lançar um desafio? Bora! Eu desafio essa senhora a colocar uma farda, uma balaclava para não mostrar o rosto, dar uma pedra na mão dela e deixá-la subir o morro para render um bandido com fuzil, já que, segundo ela, é tão simples assim. Eu adoraria ver essa teoria dar certo”, ironizou a internauta.
**“Boa noite. Eu sou Aroldo, Delegado de Polícia do Rio de Janeiro, inativo. Sou membro da ADEPOL Rio de Janeiro — Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro — e também do sindicato SINDELPOL, Sindicato dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro.
Tenho formação em Direito, como é necessário para exercer o cargo privativo de bacharel em Direito, que é o cargo de Delegado de Polícia. Tenho pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal.
Tenho visto muitos comentários e algumas pessoas pediram para que eu também emitisse minha opinião sobre uma pessoa que seria especialista em segurança pública, e que teria dito que, com uma pedra, poderia ser facilmente rendido um bandido daqueles lá do Comando Vermelho, que estava no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha — poderia ser facilmente rendido por um policial que estivesse utilizando uma pedra.Antes de dar minha opinião, fiquei sabendo que, segundo ela, está recebendo ameaças — e aí eu repudio quem estiver ameaçando, porque a pessoa pode falar o que quiser. Ela deu sua opinião, como especialista, opinião da qual eu discordo. Mas a ameaça está prevista lá no artigo 147, se não me engano, do Código Penal, como crime.
Ela emitiu a opinião dizendo que, com uma pedra, poderia render um traficante daqueles com um fuzil. É um absurdo, mas isso não é crime. Então, ela teria o direito de falar, de emitir a opinião dela — com a qual, ressalto, eu discordo.
Já participei de várias operações policiais e posso afirmar que isso é praticamente impossível, a não ser que imaginemos que um policial consiga ficar infiltrado próximo ao marginal, e o marginal de costas, e ele pudesse, com uma pedra, enganar o marginal, como se estivesse armado com uma arma de fogo. Então, tem que ter uma imaginação muito fértil para acreditar nessa possibilidade — mas pode ser até possível.
Acredito que ela não deveria sofrer essas ameaças; até ser criticada pelo que falou, tudo bem, faz parte. Mas ameaçada? Não é uma atitude de quem tem argumentos, né? Além disso, é crime.
Segundo a mídia, apesar de ter feito várias críticas à atividade policial, ela agora quer segurança — segurança pública, segurança de agentes públicos, segurança de policiais — aqueles da mesma instituição à qual fez várias críticas. Inclusive, ela foi uma das pessoas que disse que deveria haver mais atividade de inteligência, que deveria ser utilizada de forma melhor.
Várias pessoas acabam acreditando porque desconhecem o assunto. A atividade de inteligência foi muito utilizada nessa operação — muito. Foi a atividade de inteligência que descobriu que lá estavam vários marginais armados com armas de guerra. Foi com base nesse serviço de inteligência que foi possível iniciar uma excelente investigação.
Agora, nem tudo é perfeito. Naquela localidade de difícil acesso, inclusive com barricadas, foi necessário que os policiais usassem a força. Inclusive, com toda a reação dos marginais, quatro policiais acabaram mortos e alguns ficaram feridos.
Na minha opinião, não posso dizer que foi uma operação perfeita, mas foi uma operação muito bem planejada. É uma crítica que as pessoas fazem, dizendo que não houve um planejamento adequado. Houve, sim, um planejamento adequado, porém, na execução, infelizmente, pelo poderio das armas — inclusive foram quase cem fuzis apreendidos — quatro policiais morreram e alguns ficaram feridos com muita gravidade.
A minha opinião é que, com uma pedra, não se consegue fazer grande coisa. Não é tão fácil assim como a suposta especialista disse, que poderia se tomar aquilo lá.
Algumas pessoas vêm afirmando que, com inteligência, não era necessário — com uma inteligência muito avançada e muito bem empregada — fazer aquela operação. Outra coisa da qual discordo também. Como você vai tomar aquele território? Como vai cumprir as ordens judiciais de prisão e de busca e apreensão? Teria que haver um enfrentamento mesmo.
O Estado tem que tomar o seu território. O território é do Estado.
Então, para quem pediu, especificamente, dei minha opinião sobre essa questão da ‘pedrada’. É quase uma vergonha alheia, né? Essa questão de render um traficante com um fuzil usando uma pedra.
Porém, a pessoa tem o direito de dar a opinião que quiser — e, inclusive, foi o que ela fez.
Deixo mais uma vez o meu repúdio às pessoas que ameaçaram essa senhora. E entendo como curioso que, depois de tudo, ela esteja pedindo segurança para si, de policiais aos quais passou o tempo todo nesse podcast criticando.
E as autoridades, também criticadas, porque no entender dela não praticaram os atos que ela entende que deveriam ter praticado, são agora as mesmas que terão que decidir se vão colocar uma segurança policial para ela.
Parece até uma contradição, né? A polícia, para fazer determinada operação — que é supercomplexa — segundo essa pessoa, não teria capacidade. Mas, para fazer segurança para ela, já tem. É a mesma polícia. Isso também é algo para refletirmos.
Retificando: eu cheguei a dizer que, teoricamente, poderiam as pessoas ser responsabilizadas porque estão falando em chacina, em matança.
Há que se considerar também que a maioria da doutrina de Direito Penal entende que, quando você pratica um crime de calúnia, deve indicar uma pessoa determinada. E, pelo que tenho visto — não sei se orientadas — as pessoas estão dizendo aleatoriamente, sem indicar uma pessoa determinada como autora do crime, teoricamente, de homicídio.
Sendo assim, muita gente vai dizer: ‘Ah, não é calúnia’. Mas veja bem, se você imputa a alguém um fato criminoso, um fato determinado que seja crime, você pode praticar o crime de calúnia, teoricamente.
Mas, se você fala de uma tropa, se você fala de um grupo, se não fala de pessoas determinadas, a maioria da doutrina vai entender que não há crime de calúnia.
Agora, percebam: no mínimo, há um dano moral coletivo. Porque essas famílias aí — inclusive as que perderam seus policiais, seus agentes policiais — e outras que participaram, estão ouvindo.
Elas sabem que seus agentes queridos — alguns que se foram, outros que estão feridos, outros que, graças a Deus, não tiveram dano colateral — participaram e estão sendo chamados, teoricamente, de pessoas que participaram de uma chacina, de uma matança.
Então, um dano moral, com certeza. Essas pessoas são vítimas.
E aí fica essa briga: uns dizem que pode ser, inclusive, imputado um crime; outros entendem que o dano moral seria mais correto.”**
.
